terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Jesse Owens, o atleta negro que viveu o sonho americano na Alemanha Nazista



Berlim, 1936. Um ex-soldado de guerra comandava uma ditadura em seu país e queria demonstrar a superioridade de seu povo em relação aos demais, a partir dos Jogos Olímpicos daquele ano. Mas o ditador teria esbarrado seus planos em um neto de escravo que bateria recordes e encantaria milhares de fãs do esporte. O tirano em questão é Adolf Hitler que foi surpreendido pelos feitos históricos de Jesse Owens, atleta americano vencedor de quatro medalhas de ouros nas Olímpiadas daquele ano.

As façanhas e a própria figura de Jesse Owens é toda envolta de mitos e mistérios, mas a LE irá contar a epopeia desse esportista que teve o preconceito como principal adversário em sua carreira.

Na chamada “High School”, Jesse já demonstrava o seu talento no atletismo. Batendo recordes de salto em altura e no salto em distância. Foi campeão estadual de Ohio três vezes e chegou ao recorde mundial correndo 91 metros em 9,4 segundos e também completou cerca de 200 metros em 20,7 segundos, sendo o recorde mundial do ensino médio daquela época. Desta forma Owens se credenciou a ser um dos representantes do atletismo estadunidense nos Jogos Olímpicos em Berlim.

Em 1936, a Alemanha se reconstruía após a Primeira Guerra Mundial, da qual saiu derrotada e humilhada. Sob o comando de uma nova figura política com vários ideais e valores difundidos sobre a superioridade da raça ariana sobre as demais. E as Olimpíadas daquele ano era a ocasião perfeita para Hitler  mostrar como a população germânica havia se reerguido. Assim como uma fênix iria se levantar das cinzas e demonstrar toda a sua redenção ao competir com toda a sua força para conquistar glórias no seu domínio.

Entretanto algo que o Führer não contava é que o jovem Jesse Owens, 23 anos, iria decidido a mostrar o seu melhor e roubar a cena, levando os expectadores alemães ao delírio.

O show de Jesse começou na disputa dos 100 metros, na qual era favorito, Owens chegou à marca dos 10,3 segundos e estabeleceu o novo recorde olímpico da época e consequentemente o lugar mais alto do pódio na competição. O atleta negro declarou ao Jornal Correio do Povo de 04 de agosto de 1936, tais palavras: “Pareceu-me de um momento para outro que, quando corria, possuía asas. Todo o estádio apresentava um aspecto tão festivo que me contagiei e foi com mais alegria que corri, parecendo que havia perdido o peso do meu corpo. O entusiasmo esportivo dos espectadores alemães me causou profunda impressão, especialmente a atitude cavalheiresca da assistência. Podem dizer a todos que agradecemos a hospitalidade germânica”.





Na segunda competição, talvez a mais marcante, foi a de salto em distância, na qual Jesse tinha como principal adversário o atleta local Lutz Long. O atleta estadunidense precisaria dar um show e foi o que fez. Saltou muito bem e atingiu a marca de 8 metros, novamente quebrando um recorde. Lutz teria que dar um salto perfeito para superar Owens, não o conseguiu como queimou a marca de partida do salto. O ouro novamente era de Jesse Owens que revelou uma dica que Lutz deu para ele: de atrasar o ponto de arranque para conseguir um salto melhor, uma demonstração de espírito esportivo entre os atletas. Long e Owens cultivaram uma longa e carinhosa amizade. Assim como foi a recepção do povo germânico as conquistas do norte americano.

Tanto que na terceira competição de Jesse, todos já esperavam uma vitória da sensação da Olimpíadas. O Estádio Nacional de Berlim estava lotado para vê-lo competindo nos 200 metros. E Jesse não decepcionou, outro ouro e recorde completando a prova em 20,7 segundos.

A quarta e a última medalha de ouro veio no revezamento 4x100 com a equipe estadunidense de atletismo e como era de se esperar mais um recorde: a prova foi completada em 39,8 segundos. Esse foi o desfecho ideal para o sonho do americano. Foi o primeiro estadunidense do atletismo a ganhar quatro medalhas de ouro em uma Olímpiadas. Feito só repetido 48 anos mais tarde, por outro atleta negro, Carl Lewis.

Jesse Owens virou uma atração e era assediado aonde ia. Tanto que pediu para seu companheiro Herb Fleming também autografar em seu nome para não sobrecarregá-lo muito. Um reflexo desse carinho alemão com o atleta pode ser observado também na obra do autor australiano Markus Zusak: “A menina que roubava livros”, que descreve a época da Alemanha Nazista, na qual uma das personagens, o jovem Rudy Steiner, ariano, se pintava com fuligens de carvão e corria pelas ruas imitando seu ídolo Jesse Owens.

Todo esse carinho ao norte americano só não deve ter agradado ao governante Adolf Hitler. Histórias surgiram que o ditador até teria se irritado e recusado a entregar uma medalha ao atleta após uma de suas vitórias, o fato nunca foi comprovado historicamente, mas surge como um mito sobre a figura lendária que foi Jesse Owens. Entretanto algo é possível afirmar se as Olímpiadas era um fator para demonstrar a supremacia ariana germânica, Jesse quebrou esse conceito tão rápido quanto seus recordes, apesar da vitória da Alemanha no quadro geral de medalhas, para fúria do Führer.

Mas se na Alemanha, Jesse se tornou ídolo e foi reverenciado pelo público, na volta ao seu país a história foi diferente. Frank Roosevelt, o até então presidente estadunidense, não o recebeu na Casa Branca, pois tinha receio de perder eleitores do Sul, pois era ano de eleição nos Estados Unidos e o país ainda vivia a época de segregação racial, tanto que Owens nem sequer recebeu uma mensagem do presidente.

O racismo em seu país foi o maior atraso na vida do ágil atleta Jesse Owens, que mesmo sendo o principal atleta de sua geração não fazia publicidade de artigos esportivos, pois sofria risco de boicote dos sulistas: “Voltei para meu país, um lugar onde não podia sentar na parte da frente de um ônibus” declarou Owens.  Nesse cenário, Jesse começou a competir por dinheiro o que gerou sua expulsão da Associação Amadora de Atletismo.

Owens se afastou do atletismo e se dedicou a dar palestras e fazer as mais variadas funções. Em 1970, teve um livro bibliográfico escrito por Jeremy Schaap chamado “Triumph”, no qual Owens teria afirmado: “Não foi Hitler que me ignorou- quem o fez foi Franklin Delano Roosevelt”.

Em 76, o empenho de Jesse finalmente foi reconhecido pelos líderes políticos de seu país, ele recebeu a honraria da “Medalha Presidencial da Liberdade” pelo presidente Gerald Ford.

Owens veio a falecer em 1980 com câncer de pulmão, ligado ao consumo de cigarros. No ano posterior a sua morte a Revista “USA Track & Field criou o prêmio Jesse Owens Award para jovens atletas.
Em 1979, em outra visita na Casa Branca o até então presidente americano Jimmy Carter resumiu os feitos de Owens: “Talvez nenhum atleta simbolizou mais a luta humana contra a tirania, a pobreza e a intolerância racial. Seus triunfos pessoais como um atleta de classe como recordista mundial foram o prelúdio de uma carreira dedicada a ajudar os outros. Seu trabalho com jovens atletas, como um embaixador não oficial no exterior, e um porta-voz da liberdade são um rico legado a seus compatriotas americanos “.